quinta-feira, 22 de abril de 2010

La Nana

A película chilena “La Nana” (2009) surpreendeu-me. Não somente pela atuação impecável da protagonista vivida por Catalina Saavedra ou pelo inteligente uso da câmera que sutilmente nos transporta para a casa onde mora e trabalha Raquel, personagem de Catalina. Poucas foram as cenas que “sobraram” neste filme - digo, sobraram, por uma tendência que se vê em muitos filmes em subestimar a capacidade interpretativa e crítica dos expectadores, apresentando de maneira desgastante a personalidade e as relações estabelecidas entre os personagens.

Sebastián Silva não apenas traz à tona as emoções, inquietações, angústias, medos, regozijos de sua protagonita, faz algo que poucas vezes vi no cinema, nos põe a refletir sobre o entrelaçamento das relações sociais e pessoais recaindo sobre o carácter e a personalidade das pessoas. Não propõe caminhos certos ou desviantes, apenas nos envolve numa trama vulgar e inquietante.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Homem ou o Cão?

O que é mais perceptível? Um cantar intermitente de um homem flagelado por mazelas desconhecidas, ou o ladrar de um cãozinho, sujinho, diga de passagem, entretanto sem perder o encantamento dos seus cachos brancos?

Saía de casa em direção ao metrô, e por lá ele estava. Era a primeira vez que o via pelas ruas alfacinhas. Maltrapilho, descuidado, cabelo e barba por fazer, talvez sendo possível aproximar-me sentiria um forte odor, daqueles acumulados pela falta de água. Sobre um carrinho, semelhante aos dos “catadores de papelão” no Brasil, levava consigo poucos pertences, para muitos seria apenas lixo, para ele talvez as poucas coisas que possuía, carregadas quem sabe de um valor sentimental inestimável.

Seu canto era palavras irreconhecíveis, mas era carregado de uma emoção que não poderia descrever. “Palavras” que poderiam soar como um canto ou um protesto. Talvez muitos o considere um louco, enterrado em suas enfermidades sociais, mas a lucidez poderia ser contestada em momentos em que o sistema nos exclui de tal forma que nos deixa invisível perante aos ainda não excluídos/invisíveis?

Voltando para casa, pude vê-lo novamente, agora bem na Praça de Camões, reduto agora compartilhado com turistas, jovens com fins de manhãs livres, idosos sem companhia e talvez alguns vendedores de drogas. Mas sempre acompanhado de seu cãozinho, valente ao ladrar àqueles que ousam se aproximar, ainda mais se considerarmos o seu tamanho. Se não fosse esse pormenor muitos que ali passavam acariciariam sua cabeça e talvez a adoção passasse por suas mentes. E o canto do Homem perdera-se como uma trilha musical por muitos considerado desnecessário.

Não nego que o Cão tirou-me um sorriso do rosto após uma noite com poucas horas dormidas e de um dia não muito bonito carregado de nuvens negras cheias de água no céu. Será que o “canto” do seu rosnar e latir soam melhor nos nossos ouvidos?

terça-feira, 13 de abril de 2010

Sérgio Vieira de Mello

Há poucos meses li a biografia de Sérgio Vieira de Mello, escrita pela jornalista/escritora/académica/funcionária do governo dos EUA, a irlandesa/estadunidense Samantha Power, aliás, com um rigor investigativo invejável em dias em que escrevem-se biografias em duas semanas para suprir a procura de um mercado pós-morte ou corresponder aos apelos midiáticos de “novas personalidades”.

Apesar de brasileiro, fora pouco conhecido no Brasil já que a “grande mídia” (talvez mais adequado o uso do termo “mídia grande”) não o considerava digno de interesse em leitores mais acostumados em ler as fofocas, o que se passa na TV, ou ainda as notícias esportivas. Não que a mídia especializada ou revistas mais conceituadas se debruçassem sobre seu trabalho ou acontecimentos ligados à sua vida. A carência fora generalizada sobre uma das mais importantes autoridades internacionais brasileiras. Admito que talvez, se não tivesse afinidades profissionais que iam ao encontro do trabalho realizado por Sérgio, pouco saberia a seu respeito.

Sérgio fora assassinado no Iraque, em uma missão de paz da ONU que ele mesmo chefiava, em 2003 logo após a conturbada invasão estadunidense. Trabalhou durante cerca de três décadas na ONU e era o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Atuou em missões de paz em países como Camboja, Líbano, Kosovo, Ruanda e Timor-Leste. Mas o que mais chamava atenção nele era a forma como trabalhava, abdicando de hierarquias, conversando e olhando nos olhos de todos, buscando compreender e ouvir todas partes em um conflito mesmo que por detrás da mesa estivesse um genocída ou um ditador.

Ontem, assistindo um documentário sobre ele, pude reconhecer rostos, vozes, lugares, que antes somente com a leitura da biografia, eram apenas representações fantasiosas de minha mente. Ler, assistir, ouvir, ver o Sérgio é como um combustível àqueles que buscam no seu trabalho uma forma de deixar um legado de paz por onde passar.