quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Lula, Noblat e o Aposentado

Segue abaixo a resposta do aposentado mineiro Carlos Torres Moura ao artigo de Ricardo Noblat - colunista do "O Globo", intitulado: "Popular sim. Grande Não!", onde sugere que Lula não será mais popular em pouco tempo, menospreza o legado dos seus oito anos de governo, e edita frases ditas pelo Presidente, com uma nítida intenção: o segundo turno das eleições presidenciais.


Noblat

Quem é você para decidir pelo Brasil (e pela História) quem é grande ou quem deixa de ser?Quem lhe deu a procuração? O Globo? A Veja? O Estadão? A Folha?

Apresento-me: sou um brasileiro. Não sou do PT, nunca fui. Isso ajuda, porque do contrário você me desclassificaria, jogando-me na lata de lixo como uma bolinha de papel. Sou de sua geração. Nossa diferença é que minha educação formal foi pífia, a sua acadêmica. Não pude sequer estudar num dos melhores colégios secundários que o Brasil tinha na época (o Colégio de Cataguases, MG, onde eu morava) porque era só para ricos. Nas cidades pequenas, no início dos sessenta, sequer existiam colégios públicos. Frequentar uma universidade, como a Católica de
Pernambuco em que você se formou, nem utopia era, era um delírio.

Informo só para deixar claro que entre nós existe uma pedra no meio do caminho. Minha origem é tipicamente ?brasileira?, da gente cabralina que nasceu falando empedrado. A sua não. Isto não nos torna piores ou melhores do que ninguém, só nos faz diferentes. A mesma diferença que tem Luis Inácio em relação ao patriciado de anel, abotoadura & mestrado. Patronato que tomou conta da loja desde a época imperial.

O que você e uma vasta geração de serviçais jornalísticos passaram oito anos sem sequer tentar entender é que Lula não pertence à ortodoxia política. Foi o mesmo erro que a esquerda cometeu quando ele apareceu como líder sindical. Vamos dizer que esta equipe furiosa, sustentada por
quatro famílias que formam o oligopólio da informação no eixo Rio-S.Paulo ? uma delas, a do Globo, controlando também a maior rede de TV do país ? não esteja movida pelo rancor. Coisa natural quando um feudo começa a dividir com o resto da nação as malas repletas de cédulas alopradas que a União lhe entrega em forma de publicidade. Daí a ira natural, pois aqui em Minas se diz que homem só briga por duas coisas: barra de saia ou barra de ouro.

O que me espanta é que, movidos pela repulsa, tenham deixado de perceber que o brasileiro não é dançarino de valsa, é passista de samba. O patuá que vocês querem enfiar em Lula é o do negrinho do pastoreio, obrigado a abaixar a cabeça quando ameaçado pelo relho. O sotaque que vocês gostam é o nhém-nhém-nhém grã-fino de FHC, o da simulação, da dissimulação, da bata paramentada por láureas universitárias. Não importa se o conteúdo é grosseiro, inoportuno ou hipócrita (?esqueçam o que eu escrevi?, ?tenho um pé na senzala? ?o resultado foi um trabalho de Deus?). O que vale é a forma, o estilo envernizado.

As pessoas com quem converso não falam assim ? falam como Lula. Elas também xingam quando são injustiçadas. Elas gritam quando não são ouvidas, esperneiam quando querem lhe tapar a boca. A uma imprensa desacostumada ao direito de resposta e viciada em montar manchetes
falsas e armações ilimitadas (seu jornal chegou ao ponto de, há poucos dias, ?manchetar? a ?queda? de Dilma nas pesquisas, quando ela saiu do primeiro turno com 47% e já entrou no segundo com 53 ) ficou impossível falar com candura. Ao operário no poder vocês exigem a ?liturgia? do cargo. Ao togado basta o cinismo.

Se houve erro nas falas de Lula isto não o faz menor, como você disse, imitando o Aécio. Gritos apaixonados durante uma disputa sórdida não diminuem a importância histórica de um governo que fez a maior revolução social de nossa História. E ainda querem que, no final de mandato, o
presidente aguente calado a campanha eleitoral mais baixa, desqualificada e mesquinha desde que Collor levou a ex-mulher de Lula à TV.

Sordidez que foi iniciada por um vendaval apócrifo de ultrajes contra Dilma na internet, seguida das subterrâneas ações de Índio da Costa junto a igrejas e da covarde declaração de Monica Serra sobre a ?matança de criancinhas?, enfiando o manto de Herodes em Dilma. Esse cambapé de uma candidata a primeira dama ? que teve o desplante de viajar ao seu país paramentada de beata de procissão, carregando uma réplica da padroeira só para explorar o drama dos mineiros chilenos no horário eleitoral ? passou em branco nos editoriais. Ela é ?acadêmica?.

A esta senhora e ao seu marido você deveria também exigir ?caráter, nobreza de ânimo, sentimento, generosidade?.

Você não vai ?decidir? que Lula ficou menor, não. A História não está sendo mais escrita só por essa súcia de jornais e televisões à qual você pertence. Há centenas de pessoas que, de graça, sem soldos de marinhos, mesquitas, frias ou civitas, estão mostrando ao país o outro lado, a face oculta da lua. Se não houvesse a democracia da internet vocês continuariam ladrando sozinhos nas terras brasileiras, segurando nas rédeas o medo e o silêncio dos carneiros.

Carlos Torres Moura

Além Paraíba-MG

sábado, 16 de outubro de 2010

Todd Solondz

O humor intrigante dos filmes do diretor estadunidense Todd Solondz tem como pano de fundo histórias intercruzadas do cotidiano. Toca em assuntos delicados de uma forma peculiar que nem sempre garantem um consenso reflexivo de onde quer chegar.

Seguem abaixo três trailers: Welcome to the Dollhouse (1995); Happiness (1998); e, Life During Wartime (2009). Vale a pena assistir os dois últimos em sequência.





quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Os Sofrimetos do Jovem Werther


Os Sofrimetos do Jovem Werther data do início do século XVIII. Legítima representante do romantismo, a obra de Goethe é marcada pela dramaticidade, valorização das emoções e idealização da mulher.

O livro, disse-se que auto-biográfico por Goethe ter vivido um amor não correspondido, sempre fascinou-me por se dizer que influenciou na época, um surto de suicídio pelos jovens europeus e de ter sido proibida sua reprodução em alguns locais.



“Estive quase a interromper, porque não há nada que mais me exaspere do que ouvir responderem-me com insignificantes lugares comuns os argumentos que eu vou procurar ao fundo do coração…”

“…Também me contraria muito que ele aprecie mais o meu tino e o meu saber do que este pobre coração, o único dote do que tenho o direito de me orgulhar, a origem de tudo; da minha felicidade e do meu infortúnio. O que eu sei qualquer pode saber; mas o meu coração, é só meu.”

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Caché

Indicado por um amigo, assisti ontem Caché (2005) de Michael Haneke. O filme tem sequências lentas, mas com uma habilidade que nos faz compreender a razão. Desde o início somos levados a dúvidas sobre o tempo em que as cenas ocorrem, bem como sua veracidade explícita. Por detrás da discussão a cerca da dicotomia: essência e aparência, Haneke nos envolve em questões sobre a vida dos imigrantes em França e as instáveis relações familiares das últimas décadas.



domingo, 8 de agosto de 2010

Formas de amar

Ontem, cansado… me sentindo mal… Apenas ligar a tv em qualquer canal era um regozijo, aliás merecido por semana tão estressante e com tanto trabalho. Num dos canais passava Romeu e Julieta, não vi o início, nem o fim, apenas parte do meio. Não pude deixar de contrastar a leitura que Shakespeare faz do amor com um artigo que li ontem mesmo no Le Monde Diplomatique. Romeu e Julieta em seu primeiro encontro fazem juras de amor eterno, e nos faz sufocar só a idéia de que ficarão separados de alguma forma. O artigo falava de patriarcado, violência de gênero, mas também sobre uma dependência construída socialmente durante séculos de que a única forma de amar é o da dependência, da idealização e de se completar no outro.

Combater essas premissas é trabalho fácil. Difícil é conseguir nos desvencilhar de pensamentos, idéias, razões, entendimentos que não são nossos. Difícil é aceitar como o meio nos define, nos modela.

Querer, não querer, saber porque querer, não saber, imitar, sofrer acabam por ser relativizados também. Amor, formas de amar, é apenas um exemplo de que pensar com nossas cabeças é mais árduo do que se parece.

sábado, 7 de agosto de 2010

It´s a Free World

As atuações, nem a direção são brilhantes em It´s a Free World (2007), mas vale a pena pelo roteiro de Paul Laverty. Ken Loach, que possui melhores trabalhos como The Wind That Shakes the Barley (2006), toca em assuntos delicados na Inglaterra, como o paradoxo das leis trabalhistas, democracia, cidadania relacionando-se com imigração e trabalho informal.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Cássio

Em visita ao bairro 16 de Junho no município do Lobito (Benguela – Angola) deparei-me com um rapazinho, Cássio seu nome, se bem o entendi. Mais claro fora seus olhos voltados para mim por ter nas mãos uma máquina fotográfica. Não se fez de rogado, pediu pra ver a máquina, ser o modelo de algumas fotos. Seu pai veio de supetão e antes mesmo de nos cumprimentarmos disse-me cordialmente: “O Cássio é apaixonado por fotografias…”.

As adversidades enfrentadas por ele no dia-a-dia não são bem percebidas pela pouca idade que tem. Teve sua casa destruída para dar espaço a construção do Banco Nacional de Angola, e sem apoio governamental passou mais da metade de sua vida morando sob uma tenda.

Enquanto seus pais lutam por uma vida mais digna e um futuro melhor para ele, Cássio distrai-se entre tendas, moradores e alguns visitantes. As dificuldades dão espaço a um sonho de criança: ser fotógrafo ou modelo. Talvez suas aspirações mudem com o passar dos anos, o que não pode mudar é seu direito em crescer sob uma casa, com mínimas condições de segurança e saúde.

Muitos são os “Cássios” espalhados por Angola e por todo o mundo. Políticas habitacionais que não os excluam são o primeiro passo para garantir que a fotografia não seja apenas um sonho inócuo.

+ Duas das fotos que tirei no dia 29 de Julho de 2010 das tendas que servem de moradia para cerca de 250 pessoas no bairro 16 de Junho.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sexo por Compasíon

O pecado pode ser visto por vários prismas. Cada um possui princípios e valores próprios e convenientes. Sexo por compaixão (1999) mergulha em uma linha tênue que distancia a luxúria da bondade. A parceria Espanha/México marca a estréia de Laura Maña na direção e roteiro.



quinta-feira, 22 de julho de 2010

"NÃO PARTAM A MINHA CASA" - Conferência Contra as Demolições e Desalojamentos Forçados - Benguela, Angola - 29 a 31 de Julho de 2010


O direito à habitação, como ressaltam vários instrumentos internacionais, não se restringe apenas à presença de um abrigo, ou um teto, mas engloba uma concepção mais ampla. Este direito se estende a todos e, assim, toda a sociedade e cada um de seus membros têm de ter acesso a uma habitação provida de infra-estrutura básica e outras facilidades, ou seja, acesso a uma habitação adequada.

Embora se reafirme a importância do total respeito ao direito à habitação adequada, observa-se, em grande parte das nações, uma grande indiferença em relação a esse direito. As Nações Unidas estimam que mais de um bilhão de pessoas vivem em habitações inadequadas e mais de cem milhões não possuem moradia, em todo o mundo.

Vários movimentos da sociedade civil em Angola, tais como Declaração de Benguela de 20 de Agosto de 2009, III Conferência Nacional da Sociedade Civil de Novembro de 2009, as Marchas pretendidas pela Associação OMUNGA, a Rede de Solidariedade contra as Demolições no Lubango, têm condenado a forma brutal como as autoridades do país levam a cabo o desalojamento de pessoas, que alegadamente ocupam zonas consideradas reservas do Estado.

Para dar uma ideia da gravidade da situação, de 26-31 de Julho de 2009, no espaço de apenas uma semana, o Governo Provincial de Luanda demoliu cerca de 3000 casas nos bairros Iraque e Bagdade, no município do Kilamba Kiaxi, por ocupação anárquica e ilegal dos terrenos, deixando ao relento cerca de 15 mil pessoas.

Um caso análogo ao acima exposto ocorreu em Março de 2010, em que no espaço de duas semanas cerca de 2.500 famílias ficaram desalojadas em decorrência da avassaladora onda de demolições de residências na cidade do Lubango. As referidas demolições foram levadas a cabo pelo Governo da Província da Huíla em conformidade com o denominado plano de Operação de Combate e Demolições de Casebres e Construções Anárquicas.

A resolução 37/09 de 03 de Setembro da Assembleia Nacional orienta a criação de condições mínimas e aceitáveis para o realojamento de cidadãos afectados e com o diálogo e envolvimento dos mesmos nas condições de alojamento; aos 04 de Abril de 2010, em alusão ao Dia da Paz; o Ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa em representação do Presidente da Republica pediu desculpas vitimas das demolições no Lubango; o Governo aceitou as recomendações 130 a 139 no quadro 7º sessão do conselho de direitos humanos no mecanismo de revisão periódica universal (RPU). Todos estes sinais surgem em resposta às manifestações da sociedade civil angolana mas ainda não são suficientes para garantir o fim desta onda de demolições e desalojamentos forçados levados a cabo pelo Governo, por não haver um quadro jurídico concreto que assegure esta situação e os interesses económicos individuais ainda sobrepõem-se aos interesses públicos e colectivos.
Fonte: http://quintasdedebate.blogspot.com/2010/07/participa-e-divulga-nao-partam-minha.html

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Melinda and Melinda

Em um restaurante nova-iorquino, quatro amigos bebem e conversam, dentre eles dois escritores. Enquanto um volta-se à tragédia na tentativa de representação do cotidiano, o outro encontra nos elementos cômicos mais proximidade e afinidade. A partir daí O filme Melinda e Melinda (2004) desenrola-se. A história das duas Melindas, a trágica e a cômica, desenvolve-se com o humor e a filosofia típicos de Woddy Allen.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

Indio para vice!

Muitas especulações marcaram as idas e vindas de possíveis nomes para a candidatura para vice-presidente da Coligação PSDB/DEM. Informações vazadas inclusive por um parceiro de Serra para as próximas eleições, o muito conhecido presidente do PTB Roberto Jefferson, fizeram criar um clima de animosidade entre os aliados. O antigo PFL não quis abrir mão desta vez de pleitear o cargo de vice-presidente e sem um nome de muito peso nos grandes colégios eleitorais brasileiros acabou por indicar o deputado Indio da Costa. Desconhecido até mesmo pelo próprio companheiro de chapa, o jovem deputado sustenta algumas ideias polêmicas, como a pena de morte para narcotraficantes e a proibição da venda de algumas guloseimas nas cantinas das escolas.

Por uma falta óbvia de constitucionalidade, um dos seus projectos acabou “arquivado”. Indio era a favor que se multasse a quem desse esmolas a pedintes nas ruas do Rio de Janeiro. Talvez por falta de muitas habilidades em conduzir políticas internacionais, foi contra a ajuda dada pelo Brasil ao Haiti – ainda antes do grande terremoto, e indo ao encontro de um projeto de Serra em São Paulo que mandou retirar os bancos dos pontos de ônibus que pudessem servir de cama a mendigos, quis proibir no RJ o comércio ambulante, talvez com a mesma intenção do psdbista: esconder as desigualdades e problemas sociais dos olhos de turistas, mídia e dos brasileiros mais abastados.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Luanda

Por aqui as ruas estão sempre cheias. São muitos carros, aliás muitos de luxo que contrastam com a miséria por detrás de seus vidros, um trânsito inacreditável. O tráfego de pessoas também é intenso, sejam transeuntes, sejam vendedores. Vendem de tudo: balanças, frutas, panelas, dólares ou kwanzas, roupas, sapatos, cintos, telefones etc. Arriscam-se entre tantos carros e motos, normalmente com motociclistas sem capacetes. As calçadas muitas vezes são pedras sobre pedras, as crianças vêm logo pedir 5 ou 10 kwanzas, cerca de 5 ou 10 cents. É difícil imaginar o que fariam com esse dinheiro num país imenso com solo e clima propícios que entretanto não produz muitos alimentos, e têm nas prateleiras dos supermercados meia dúzia de ovos que quase chega a 3 dólares. As ruas não são muito limpas, o serviço de coleta de lixo não é dos melhores e muitos não possuem sistema de esgoto ou uma fossa em casa.

Inacreditável é pensar que dentro de tantas adversidades encontra-se lugar para um sempre sorriso estampado nos rostos. Sempre solícitos e prestativos, no entanto calados diante de seus problemas. Talvez seja um grande trauma por um período tão grande de guerra. Não cultua-se por aqui o simples ato democrático de contestar e exigir mais dignidade.

As novas gerações dirão como tudo passará nos próximos anos, aliás o país é delas já que por aqui não se vive mais do que 40 anos em média. Resta saber como tudo acontecerá, se os motoristas dos luxuosos carros abaixarão seus vidros elétricos ou se será necessário que os pedestres os quebrem.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

José Saramago - 16 de Novembro de 1922 / 18 de Junho de 2010

Foi… Como deveria ser… A lei natural…
Talvez depara-se com surpresas, o ateu indomável.
Deixou para trás um legado de idéias, pensamentos, palavras que a muitos fez refletir. Inclusive a mim, leitor e apreciador.
Resta-nos a leitura dos livros que ainda não lemos e é claro as emoções, sensações e perturbações deixadas neles.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O quase fim do mundo


“O quase fim do mundo” de Pepetela não me emocionou como esperava. Por vezes sentia-me em Macondo, a pequena aldeia de Garcia Marquez em “Cem Anos de Solidão”, por outras notava certas influências de Saramago em “Ensaio sobre a cegueira” e até mesmo do romance setecentista de Daniel Defoe, “Robinson Crusoé”. Um título e uma idéia fascinantes que perderam-se por falta de criatividade e bons diálogos.

Todavia a originalidade ganha força com a narrativa. Os narradores entrelaçam-se com muita habilidade, fazendo de uma leitura menos atenta, uma confusão de significações.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

La Nana

A película chilena “La Nana” (2009) surpreendeu-me. Não somente pela atuação impecável da protagonista vivida por Catalina Saavedra ou pelo inteligente uso da câmera que sutilmente nos transporta para a casa onde mora e trabalha Raquel, personagem de Catalina. Poucas foram as cenas que “sobraram” neste filme - digo, sobraram, por uma tendência que se vê em muitos filmes em subestimar a capacidade interpretativa e crítica dos expectadores, apresentando de maneira desgastante a personalidade e as relações estabelecidas entre os personagens.

Sebastián Silva não apenas traz à tona as emoções, inquietações, angústias, medos, regozijos de sua protagonita, faz algo que poucas vezes vi no cinema, nos põe a refletir sobre o entrelaçamento das relações sociais e pessoais recaindo sobre o carácter e a personalidade das pessoas. Não propõe caminhos certos ou desviantes, apenas nos envolve numa trama vulgar e inquietante.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Homem ou o Cão?

O que é mais perceptível? Um cantar intermitente de um homem flagelado por mazelas desconhecidas, ou o ladrar de um cãozinho, sujinho, diga de passagem, entretanto sem perder o encantamento dos seus cachos brancos?

Saía de casa em direção ao metrô, e por lá ele estava. Era a primeira vez que o via pelas ruas alfacinhas. Maltrapilho, descuidado, cabelo e barba por fazer, talvez sendo possível aproximar-me sentiria um forte odor, daqueles acumulados pela falta de água. Sobre um carrinho, semelhante aos dos “catadores de papelão” no Brasil, levava consigo poucos pertences, para muitos seria apenas lixo, para ele talvez as poucas coisas que possuía, carregadas quem sabe de um valor sentimental inestimável.

Seu canto era palavras irreconhecíveis, mas era carregado de uma emoção que não poderia descrever. “Palavras” que poderiam soar como um canto ou um protesto. Talvez muitos o considere um louco, enterrado em suas enfermidades sociais, mas a lucidez poderia ser contestada em momentos em que o sistema nos exclui de tal forma que nos deixa invisível perante aos ainda não excluídos/invisíveis?

Voltando para casa, pude vê-lo novamente, agora bem na Praça de Camões, reduto agora compartilhado com turistas, jovens com fins de manhãs livres, idosos sem companhia e talvez alguns vendedores de drogas. Mas sempre acompanhado de seu cãozinho, valente ao ladrar àqueles que ousam se aproximar, ainda mais se considerarmos o seu tamanho. Se não fosse esse pormenor muitos que ali passavam acariciariam sua cabeça e talvez a adoção passasse por suas mentes. E o canto do Homem perdera-se como uma trilha musical por muitos considerado desnecessário.

Não nego que o Cão tirou-me um sorriso do rosto após uma noite com poucas horas dormidas e de um dia não muito bonito carregado de nuvens negras cheias de água no céu. Será que o “canto” do seu rosnar e latir soam melhor nos nossos ouvidos?

terça-feira, 13 de abril de 2010

Sérgio Vieira de Mello

Há poucos meses li a biografia de Sérgio Vieira de Mello, escrita pela jornalista/escritora/académica/funcionária do governo dos EUA, a irlandesa/estadunidense Samantha Power, aliás, com um rigor investigativo invejável em dias em que escrevem-se biografias em duas semanas para suprir a procura de um mercado pós-morte ou corresponder aos apelos midiáticos de “novas personalidades”.

Apesar de brasileiro, fora pouco conhecido no Brasil já que a “grande mídia” (talvez mais adequado o uso do termo “mídia grande”) não o considerava digno de interesse em leitores mais acostumados em ler as fofocas, o que se passa na TV, ou ainda as notícias esportivas. Não que a mídia especializada ou revistas mais conceituadas se debruçassem sobre seu trabalho ou acontecimentos ligados à sua vida. A carência fora generalizada sobre uma das mais importantes autoridades internacionais brasileiras. Admito que talvez, se não tivesse afinidades profissionais que iam ao encontro do trabalho realizado por Sérgio, pouco saberia a seu respeito.

Sérgio fora assassinado no Iraque, em uma missão de paz da ONU que ele mesmo chefiava, em 2003 logo após a conturbada invasão estadunidense. Trabalhou durante cerca de três décadas na ONU e era o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Atuou em missões de paz em países como Camboja, Líbano, Kosovo, Ruanda e Timor-Leste. Mas o que mais chamava atenção nele era a forma como trabalhava, abdicando de hierarquias, conversando e olhando nos olhos de todos, buscando compreender e ouvir todas partes em um conflito mesmo que por detrás da mesa estivesse um genocída ou um ditador.

Ontem, assistindo um documentário sobre ele, pude reconhecer rostos, vozes, lugares, que antes somente com a leitura da biografia, eram apenas representações fantasiosas de minha mente. Ler, assistir, ouvir, ver o Sérgio é como um combustível àqueles que buscam no seu trabalho uma forma de deixar um legado de paz por onde passar.

terça-feira, 16 de março de 2010

Oscar 2010

Interessante notar com o passar dos anos a decadência ou ainda o descrédito acrescido ao Oscar, o aclamado prêmio da Indústria Cinematográfica. Mas fico pensando se esta derrocada não é inversamente proporcional ao aprimoramento de nosso senso crítico. De qualquer forma não se pode deixar de sublinhar suas incoerências. Acostumado a “deixar de lado” os destaques de grandes festivais como Cannes e renomados diretores como Almodóvar e Ozon, este ano houve explicitamente uma grande vontade de gerar mais renda e público para os filmes estadunidenses.

O relançamento de Guerra ao Terror (2008) e suas posteriores estatuetas falam por si só. O já imensamente rentável Avatar não pôde então levar tantas (não que para mim seja também um filme merecedor de um prêmio de melhor película do ano). Tudo pode dar certo, por exemplo, que prima pela costumeira sensibilidade de Woody Allen e conta com ótimas atuações, não foi lembrado.

Vale a pena conferir os “vencedores” do último Oscar, nem que seja apenas para refinar nossas críticas a sobreposição de interesses financeiros à qualidade artística no “grande prêmio” da cinematografia mundial.