quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Homem ou o Cão?

O que é mais perceptível? Um cantar intermitente de um homem flagelado por mazelas desconhecidas, ou o ladrar de um cãozinho, sujinho, diga de passagem, entretanto sem perder o encantamento dos seus cachos brancos?

Saía de casa em direção ao metrô, e por lá ele estava. Era a primeira vez que o via pelas ruas alfacinhas. Maltrapilho, descuidado, cabelo e barba por fazer, talvez sendo possível aproximar-me sentiria um forte odor, daqueles acumulados pela falta de água. Sobre um carrinho, semelhante aos dos “catadores de papelão” no Brasil, levava consigo poucos pertences, para muitos seria apenas lixo, para ele talvez as poucas coisas que possuía, carregadas quem sabe de um valor sentimental inestimável.

Seu canto era palavras irreconhecíveis, mas era carregado de uma emoção que não poderia descrever. “Palavras” que poderiam soar como um canto ou um protesto. Talvez muitos o considere um louco, enterrado em suas enfermidades sociais, mas a lucidez poderia ser contestada em momentos em que o sistema nos exclui de tal forma que nos deixa invisível perante aos ainda não excluídos/invisíveis?

Voltando para casa, pude vê-lo novamente, agora bem na Praça de Camões, reduto agora compartilhado com turistas, jovens com fins de manhãs livres, idosos sem companhia e talvez alguns vendedores de drogas. Mas sempre acompanhado de seu cãozinho, valente ao ladrar àqueles que ousam se aproximar, ainda mais se considerarmos o seu tamanho. Se não fosse esse pormenor muitos que ali passavam acariciariam sua cabeça e talvez a adoção passasse por suas mentes. E o canto do Homem perdera-se como uma trilha musical por muitos considerado desnecessário.

Não nego que o Cão tirou-me um sorriso do rosto após uma noite com poucas horas dormidas e de um dia não muito bonito carregado de nuvens negras cheias de água no céu. Será que o “canto” do seu rosnar e latir soam melhor nos nossos ouvidos?

Um comentário:

Anônimo disse...

bonito texto. parabéns.